A incrível descoberta que indica presença humana nas Américas muito antes do que se pensava - BBC News Brasil (2024)

  • Paul Rincon
  • Editor de ciência do site da BBC News

A incrível descoberta que indica presença humana nas Américas muito antes do que se pensava - BBC News Brasil (1)

Crédito, Bournemouth University

Novas descobertas científicas apontam que humanos chegaram às Américas pelo menos 7 mil anos antes do que se estimava anteriormente.

As pesquisas em torno do momento em que o continente americano passou a ser povoado a partir da Ásia despertam debates profundos há décadas. Muitos pesquisadores são céticos em relação às evidências da presença humana na América do Norte muito além de 16 mil anos atrás.

Agora, uma equipe de cientistas atuando no Estado do Novo México, no sudoeste dos EUA, encontrou pegadas humanas que foram datadas entre 23 mil e 21 mil anos atrás.

Essa descoberta tem o potencial de transformar o que se sabe e o que se pensa sobre quando o continente foi povoado. Ela sugere a existência de grandes migrações sobre as quais não sabemos nada e levanta a possibilidade de que essas populações podem ter sido extintas.

As pegadas que levaram a essa nova linha do tempo foram formadas numa lama macia nas margens de um lago que atualmente faz parte do parque nacional de White Sands.

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Para estimar a "idade" das pegadas, a equipe do Serviço Geológico dos EUA fez a datação do carbono de camadas de sedimentos acima e abaixo das pegadas encontradas. E assim puderam determinar a "idade" das pegadas em si.

Baseados nos tamanhos dessas marcas, os cientistas suspeitam que elas sejam de adolescentes ou crianças que iam e vinham, às vezes acompanhadas de um adulto.

Não está claro para os cientistas o que exatamente essas pessoas estavam fazendo ali, mas possivelmente elas estavam ajudando os adultos numa modalidade de caça que seria vista depois em culturas de indígenas na América do Norte. Ela é conhecida como salto de búfalo e consiste em conduzir animais selvagens até um despenhadeiro.

Crédito, Bournemouth University

Esses animais "precisam ser processados num período muito curto de tempo", explica a paleontóloga Sally Reynolds, pesquisadora da Universidade de Bournemouth (Reino Unido). "É preciso acender as fogueiras, é preciso separar a gordura." As crianças e os adolescentes ali podem ter ajudado os adultos a coletar água, lenha ou outros suprimentos.

'Idade' das pegadas

A datação da descoberta é central no debate. Isso porque não é a primeira vez que se anuncia algum novo indício sobre a presença humana anterior nas Américas. Mas praticamente todas acabam sendo contestadas de alguma forma.

Em geral, o debate gira em torno do seguinte: as ferramentas de pedra encontradas em um sítio antigo são de fato o que parecem ser ou se são simplesmente rochas quebradas por algum processo natural, como a queda de um penhasco?

Crédito, Bournemouth University

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Esses possíveis artefatos às vezes são menos óbvios do que as pontas de lança de 13 mil anos que foram primorosamente trabalhadas e depois encontradas na América do Norte. Daí acaba ficando uma porta aberta para contestações e conclusões definitivas.

"Uma das razões pelas quais há tanto debate é que há uma falta real de dados bastante sólidos e inequívocos. Isso é o que achamos que provavelmente temos agora (sobre a presença de humanos no continente quase 7 mil anos antes do que se pensava)", afirma o professor Matthew Bennett, primeiro autor do artigo da Universidade de Bournemouth, à BBC News.

"Pegadas não são como ferramentas de pedra. Uma pegada é uma pegada e não pode ser movida para cima e para baixo [nas camadas do solo]."

Embora a natureza da evidência física aqui seja mais difícil de ser descartar ou contestada como uma ponta de lança, os pesquisadores precisaram garantir que a datação fosse literalmente estanque (completamente fechado para líquidos).

Uma complicação potencial apontada pela Science, publicação científica em que os achados foram publicados, nos estágios iniciais da revisão da descoberta, foi o "efeito reservatório". Isso se refere à maneira com que o carbono antigo às vezes pode ser reciclado em ambientes aquosos, interferindo nos resultados do radiocarbono ao fazer um local parecer mais antigo do que realmente é.

Os pesquisadores, no entanto, dizem que investigaram essa possibilidade e acreditam que ela não seja significativa aqui.

Tom Higham, professor e especialista em datação por radiocarbono da Universidade de Viena, disse: "Eles realizaram algumas verificações nas datas do material próximo ao local da pegada e descobriram que amostras totalmente terrestres (carvão) produziram idades semelhantes às do material aquático que datavam de mais perto das pegadas."

"Eles também argumentaram, acho que com razão, que o lago devia ser raso na época em que as pessoas andaram por lá, mitigando o impacto dos efeitos do reservatório introduzidos por antigas fontes de carbono."

Segundo Higham, a consistência dos resultados e o suporte de uma técnica diferente de datação aplicada ao lugar da descoberta reafirmaram a validade dos resultados.

"Acho que, em conjunto, esta é uma sequência de 21.000-23.000 anos", afirma Higham à BBC News.

Controvérsias em torno das datações nas Américas

As disputas no início da arqueologia americana têm muito a ver com o desenvolvimento histórico do campo científico.

Durante a segunda metade do século 20, surgiu um consenso entre os arqueólogos norte-americanos de que os povos pertencentes à cultura Clovis foram os primeiros a chegar às Américas.

Crédito, Getty Images

Acredita-se que esses grandes caçadores tenham cruzado uma ponte de terra sobre o Estreito de Bering, que conectava a Sibéria ao Alasca durante a última era glacial, quando o nível do mar estava muito mais baixo.

O nome Clovis era o de um sítio arqueológico assim denominado, descoberto em 1939, também no Novo México. No local, foram encontrados artefatos de pedra lascada, datados de 11,4 mil anos. Segundo essa teoria, defendida principalmente pela comunidade arqueológica americana, a chegada teria ocorrido há cerca de 12 mil anos.

Se de um lado o consenso "Clovis-primeiro" se consolidou, de outro as descobertas de presenças humanas mais antigas acabaram descartados como não confiáveis. Isso levou alguns arqueólogos, inclusive, a realmente pararem de procurar por sinais de ocupação anterior.

Mas na década de 1970 essa ortodoxia começou a ser colocada em xeque.

Na década de 1980, surgiram evidências sólidas de uma presença humana de 14.500 anos em Monte Verde, no Chile.

E desde os anos 2000, outros locais pré-Clovis tornaram-se amplamente aceitos, como o Buttermilk Creek Complex, com 15.500 anos, no centro do Texas, e o local Cooper's Ferry, com 16.000 anos, em Idaho. Ambos nos Estados Unidos.

Crédito, Bournemouth University

Agora, as pegadas do Novo México sugerem que os humanos haviam chegado ao interior da América do Norte no auge da última Era do Gelo.

Gary Haynes, professor emérito da Universidade de Nevada, disse "não ter conseguido encontrar falhas no trabalho que foi feito ou nas interpretações desse artigo, que é importante e provocativo".

"As trilhas estão tão ao sul da conexão terrestre de Bering que agora temos que nos perguntar (1) se o povo ou seus ancestrais (ou outras pessoas) fizeram a travessia da Ásia para as Américas muito antes, (2) se as pessoas se mudaram rapidamente através dos continentes após cada travessia, e (3) se eles deixaram algum descendente."

Andrea Manica, geneticista da Universidade de Cambridge, disse que a descoberta sobre as pegadas no Novo México teria implicações importantes para a história da população das Américas.

Crédito, Bournemouth University

"Não posso comentar sobre o quão confiável é a datação, porque está fora da minha especialidade, mas evidências sólidas de humanos na América do Norte há 23 mil anos estão em desacordo com a genética, o que mostra claramente uma divisão de nativos americanos de asiáticos em aproximadamente 15 mil a 16 mil anos atrás", disse à BBC News.

"Isso sugere que os primeiros colonos das Américas foram substituídos quando o corredor de gelo se formou e outra onda de colonos entrou. Mas não temos ideia de como isso teria de fato acontecido."

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A incrível descoberta que indica presença humana nas Américas muito antes do que se pensava - BBC News Brasil (2024)

FAQs

Que vestígios foram encontrados para atestar a presença do homem na América? ›

Na década de 1980, surgiram evidências sólidas de uma presença humana de 14.500 anos em Monte Verde, no Chile. E desde os anos 2000, outros locais pré-Clovis tornaram-se amplamente aceitos, como o Buttermilk Creek Complex, com 15.500 anos, no centro do Texas, e o local Cooper's Ferry, com 16.000 anos, em Idaho.

Qual foi a descoberta de vestígios arqueológicos no continente americano? ›

A terceira descoberta arqueológica de 2022 na América Latina destacada pela revista Archeology é um túmulo localizado na costa norte do Peru contendo os restos de um homem que ocupava uma posição poderosa no Império Wari (650-1000 d.C.).

O que os arqueólogos acharam no Brasil? ›

Na escavação recente, que teve início em 2019 e segue até hoje, pesquisadores encontraram uma série de ferramentas de pedra, cacos de cerâmica, conchas decoradas e ossos. De acordo com o arqueólogo líder da pesquisa, Welington Lage, em entrevista à CBS, são quatro eras distintas de ocupação no local.

Qual a descoberta arqueológica mais recente? ›

Uma cidade maia perdida descoberta por uma nova tecnologia

O poder revolucionário do Lidar (Laser Detection and Ranging) foi demonstrado em junho de 2023 com a descoberta de uma cidade maia até então desconhecida na Península de Yucatán, no México.

Qual o vestígio mais antigo encontrado na América? ›

A mais antiga, e que permaneceu aceita por mais tempo, é a conhecida em inglês como Clovis-first (Clóvis-primeiro), nome de um sítio arqueológico descoberto em 1939, no Estados Unidos, no qual foram encontradas pontas de flechas feitas de pedra datadas de 11,4 mil anos.

Onde foram encontrados os primeiros vestígios humanos? ›

Os mais antigos fósseis já encontrados dos seres humanos modernos (hom*o sapiens) têm ao menos 233 mil anos. Conhecidos como Omo I, esses restos petrificados – parte do crânio (reconstituição acima), vértebras da coluna e ossos dos braços e das pernas – foram achados em 1967 na Etiópia, leste da África.

Qual foi a descoberta arqueológica mais importante do Brasil? ›

Sítio do Pilar: a descoberta arqueológica no Recife que marca a história de todo o Brasil.

Quais foram as primeiras descobertas arqueológicas no Brasil? ›

No Brasil, o primeiro sítio escavado profissionalmente que ofereceu evidências de que o homem poderia estar na América antes de 11.400 anos AP foi o sítio da Lapa Vermelha, localizado no Complexo de Lagoa Santa.

Qual foi a maior descoberta arqueológica no Brasil e onde aconteceu? ›

No Brasil, foi encontrado um dos mais importantes itens da arqueologia que ajudaram a compor a pré-história americana. Esse fato aconteceu no início da década de 70, mais precisamente, em 1974, em um sítio arqueológico denominado de Lapa Vermelha, localizado na cidade mineira de Pedro Leopoldo.

Quais são os vestígios mais antigos do Brasil? ›

O primeiro vestígio humano - restos de carvão de fogueiras estruturadas - data de mais de 50 mil anos, explicou Guidon, filha de pai francês e nascida em São Paulo. "Até hoje é a data mais antiga" de vestígios humanos nas Américas, destacou.

Onde fica o sítio arqueológico mais importante do Brasil? ›

Considerado o maior sítio arqueológico do País, o Parque Nacional da Serra da Capivara está em crise. O sítio localizado no Piauí, abriga pinturas rupestres de 10 mil anos e é classificado como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Qual é a maior descoberta arqueológica das escrituras sagradas? ›

Manuscritos do Mar Morto

Por muito tempo, considerou-se que os Manuscritos do Mar Morto fossem o achado arqueológico bíblico mais antigo. Datados do final do século III a.C., foram encontrados por um jovem pastor, em 1947, em pedaços espalhados ao longo de diferentes cavernas na costa noroeste do Mar Morto.

Qual foi a maior descoberta arqueológica do mundo? ›

Machu Picchu: A cidade perdida dos incas

Machu Picchu, uma cidade inca localizada nas altas montanhas do Peru, ficou desconhecida para o mundo até 1911, quando foi redescoberta pelo explorador Hiram Bingham.

Qual o item mais antigo do mundo? ›

O objeto feito pelo homem mais antigo descoberto é uma pedra lascada datada de cerca de 3,3 milhões de anos atrás, encontrada na África do Sul.

Onde se encontram os vestígios dos primeiros habitantes da América? ›

Na Patagônia, porções sul do território argentino, foram encontradas pinturas rupestres, restos de fogueira e pontas de lança que evidenciam a chegada do homem a essa região há mais ou menos 11.500 anos. Além da caça, os povos dessa região também se sustentavam através da coleta de frutos do mar e da pesca de peixes.

Quais descobertas foram feitas pelos povos americanos? ›

  • CULTURA CLÓVIS (ESTADOS UNIDOS) Pontas de lança feitas de pedra lascada da cultura Clóvis. ...
  • MONTE VERDE (CHILE) Arqueólogos trabalham em Monte Verde, no Chile. ...
  • “LUZIA”, LAPA VERMELHA (MG) ...
  • SERRA DA CAPIVARA (PI) ...
  • CULTURA OLMECA (MÉXICO) ...
  • MACHU PICCHU (PERU) ...
  • LINHAS NAZCAS (PERU) ...
  • CHICHÉN ITZÁ (MÉXICO)

Como veio o homem para o continente americano? ›

Segundo essa teoria, a chegada do homem ao continente americano ocorreu há, aproximadamente, 50 mil anos, quando nômades asiáticos atravessaram o Estreito de Bering; que nesse período encontrava-se congelado em razão da era glacial, formando assim uma ponte natural entre os dois pontos.

O que foi encontrado no sítio arqueológico de Monte Verde? ›

Ossos de mastodontes, ferramentas afiadas, algas, peles de animais e pedaços de carne perfeitamente cortados em porções foram encontrados em Monte Verde, além do que se acredita que foi um centro medicinal com mais de 28 plantas com propriedades curativas.

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